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Sussurros do Coração e o caminho do artista

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“Ao fazer alguma coisa você deve se consumir completamente, como uma boa fogueira, sem deixar rastros de si próprio.” — Shunryu Suzuki

Para quem não conhece, o Studio Ghibli é um estúdio de animação japonês que tem um histórico invejável, repleto de obras incríveis.

Um de seus fundadores, Hayao Miyazaki é um grande artista, com uma visão de mundo bastante politizada e que encontra sempre formas de traduzir o que ele acredita em filmes tão profundos quanto belos e tocantes.

Só pra termos uma noção da imensa importância que ele tem, Miyazaki chega a ser chamado de Walt Disney japonês por alguns, embora esse título não exatamente sintetize o que ele realmente é e o que faz.

Os filmes do Studio Ghibli são famosos por explorar a animação de uma maneira muito própria e extraem dessa mídia recursos estéticos que não seriam possíveis ou não ficariam tão interessantes em um filme live action.

No Studio Ghibli, os filmes são feitos para que atinjam o potencial máximo da mídia com histórias épicas e fantasiosas como Princesa Mononoke, O Castelo Animado ou A Viagem de Chihiro.

Mas há também um outro lado do estúdio, por vezes, menos celebrado, que conta histórias bem mais enraizadas no mundo real.

Um desses filmes é Sussurros do Coração, uma adaptação de um mangá criado por Aoi Hiiragi e dirigido por Yoshifumi Kondo.

Aqui, você não tem uma história sobre a luta para manter o equilíbrio entre a natureza e o desenvolvimento tecnológico, como em Princesa Mononoke. Não há nenhuma grande guerra como em Nausicaa ou aventura para salvar alguém que se ama, como em A Viagem de Chihiro.

Essa é a história de Shizuku, que você provavelmente conhece por causa daquele vídeo de lofi hip hop.

Shizuku é uma garota, uma pré-adolescente apaixonada por literatura. Ela passa o tempo imersa em histórias, tanto que devora rapidamente todos os livros que pegou pra passar as férias escolares.

Sussurros do Coração retrata o ímpeto criativo de Shizuku.

Ela decide, então, pegar um novo livro pra ler, uma coletânea de contos de fadas, quando percebe que há um nome familiar, que ela já tinha notado em outros livros que também tinha pego.

A sensibilidade de Shizuku observa beleza extraordinária em eventos cotidianos. Somos convidados, cena após cena, a também olhar com atenção os mínimos detalhes, desenhados com todo esmero.

Shizuku permanece imersa em seu próprio mundo, observando a beleza de um dirigível voando mais baixo que o normal, enquanto sua mãe corre para a aula de mestrado e nós somos conduzidos a repousar os olhos sobre o movimento das roupas no varal ao vento.

Shizuku é incumbida da missão de entregar almoço para o pai no trabalho enquanto sua irmã se preocupa com as tarefas domésticas, mas ela se perde, observando o movimento dos vagões do trem, as paisagens passando pelas janelas e, então, se deixa levar pela curiosidade ao seguir um gato por uma vizinhança desconhecida.

Esse contraste sobre a paixão com a qual Shizuku se envolve com tudo que acontece ao redor dela versus como as pessoas “normais” encaram o cotidiano é constantemente oferecido, por meio dos pais, da irmã e até dos colegas de escola.

Ela só encontra um par em Seiji Amasawa, que compartilha com ela não o objeto das suas paixões, mas o apaixonar-se em si.

As paixões acontecem aos montes em Sussurros do Coração e servem como metáforas umas para as outras. Os personagens buscam constantemente por algo que os faça se sentirem completos e, vez após outra, se deparam com os movimentos do acaso que acabam deixando expectativas não cumpridas pelo caminho.

Shizuku também está em busca desse sentimento e, ainda que ela queira um romance, como as outras garotas, o que a inquieta é a incerteza sobre seu futuro, sobre suas aspirações, sobre o que ela quer da vida.

Seiji é apaixonado por fazer violinos e possui em si algo que Shizuku ainda não sabia que era necessário: a disciplina, a dedicação, a consciência sobre suas limitações e a aspiração de ser cada vez melhor.

Esse contato desperta em Shizuku a vontade de se testar. Ela, então, decide escrever uma história.

É comum ouvirmos falar sobre a noção de talento, de dom, como se tudo o que fosse necessário para criar uma obra de arte fosse ser escolhido por deus ou pelo destino.

Mas, em realidade, o trabalho de um artista envolve anos de prática e frustração, de curiosidade e alegria, de esforço e de energia.

Shizuku força a si mesma, se impõe um calendário, passa a se isolar em sua missão e até é confrontada por seus pais que ficam preocupados.

A conversa vem com um alerta: “Não é fácil trilhar seu próprio caminho.”

Nem sempre esse caminho é uma linha reta e, certamente, é repleto de curvas e buracos que o tornam bastante complicado. Em uma sociedade como a brasileira, então, o artista do mundo real, que não tem o luxo da fama como é popularizada pelo cinema e pela TV, é raramente visto como um cidadão pleno, costuma ser incompreendido, criticado e, por vezes, até perseguido.

À parte das dificuldades sociais, o caminho de um artista é um caminho de autoconhecimento, de honestidade, de se despir, de se doar em forma de música, de um texto, um livro, um poema, uma pintura.

Um artista nunca sai do outro lado de um processo criativo feito com o devido esmero sem entender um pouco mais sobre si mesmo. Ao se esforçar para ir até o fim em uma criação, ele não só cria uma obra, mas também uma nova versão de si mesmo, compreendendo pedaços cada vez mais puros de sua personalidade, como quem remove a rocha que nos impede de ver uma pedra preciosa.

Mas e se, ao final de tudo, mesmo com todo o esforço, disciplina e cuidado aplicados, a obra não ressoar? Se, ainda assim, ela ficar feia, mal acabada e ninguém se conectar?

Apesar de ser mais fácil observar essas inseguranças em uma artista iniciante, como Shizuku, na verdade, esse temor nunca se afasta por completo. É um preço que se paga.

Mas a alternativa é uma vida sem autenticidade, sem Verdade, sem a pureza do contato com as emoções e com a autoexpressão, com seu propósito. É uma mutilação terrível.

No final das contas, não podemos pedir por mais uma vida. A única que temos é essa. O máximo que podemos pedir é que nossos dias sejam cada vez mais preenchidos com aquilo que traz potência.

Sussurros do Coração fala sobre aquela primeira fagulha, sobre o medo de não saber onde se vai chegar ou mesmo como sair do lugar onde se está. Fala sobre a realidade de falhar em suas tentativas, sobre ansiar por uma perfeição que nunca vai ser atingida, mas também sobre passar por cima disso por causa do entusiasmo, da alegria em fazer aquilo que se quer fazer. Fala sobre a vontade de trabalhar em algo porque é interessante, não por sua chance de sucesso.

Os Sussurros do Coração, afinal, não são apenas palavras em um título cafona. Mas têm, sim, uma razão de ser. O sussurro do coração aqui, é aquela voz que ouvimos lá longe, que começa bem fraquinha, nos mostrando algo que gostaríamos de fazer e que, se seguimos, pode ou não, resultar em algo substancial.

Essa voz pode ser chamada por diversos nomes. Intuição. Inspiração. Motivação. Curiosidade. Fagulha criativa.

Mas ela é uma forma de esperança que não pode ser abandonada. É um poder que não pode ser jogado fora, nem menosprezado, pois nos mantém caminhando, mesmo quando não há perspectiva alguma de se ver o final da estrada.

Porque o que importa não é exatamente o resultado, mas sim o quanto de nós está disposto a continuar tentando.

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