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Para uma boa escrita, aprenda a mergulhar


Tudo o que você precisa é de dez minutos por dia e um método claro

Escrevo por profissão há alguns anos, mas sei que não sou nenhum Antônio Prata, então, descobri logo cedo que precisava ralar se quisesse tirar da cabeça algo que valesse os minutos de leitura que alguém dedicasse aos meus textos.

Ainda lembro que, no começo, eu passava dias pra chegar naquele resultado que me desse a coragem de publicar. Não era fácil — e ainda não é. Por sorte, eu tinha um bom editor que me ajudava a não sair falando besteira.

Um belo dia, eu me tornei editor no PapodeHomem e o fluxo de trabalho aumentou enormemente. Agora, além de escrever, eu também tinha que olhar a produção de outras pessoas e tirar sabe-se lá de onde, ideias que melhorassem o que elas me enviassem. Assim, aprendi a passar feedback e extrair artigos de gente que, muitas vezes, não tinha a menor intimidade com a escrita (ainda que tivessem todo o conteúdo lá). Li milhares de textos. Escrevi uma centena de outros.

Mesmo assim, um dia, a fonte secou.

Ficou muito mais difícil arrancar de mim as ideias, os insights e ainda ter a habilidade de estruturá-los pra gerar artigos ao mesmo tempo úteis e gostosos de ler. Assim, eu me pus a estudar.

A ideia por trás disso vinha da minha experiência com o estudo da música: como a musa inspiradora me deu bolo, talvez eu pudesse voltar a ter prazer e a ser eficiente se entendesse de que forma os escritores por profissão conseguiam tirar suas preciosidades da cartola para colocar no papel.

Minha crença é de que inspiração ajuda muito e torna, com certeza, o trabalho mais vívido. Mas não dá pra viver só disso.

É preciso consistência, técnica, estudo e uma certa dose de disciplina para diminuir a diferença entre o momento que você senta e aquele no qual as palavras efetivamente fazem o caminho da sua mente para o papel (ou tela).

Esse artigo é fruto dessas pesquisas e de algumas experiências marcantes que tive no caminho. Não é um guia definitivo e nem pretende ser, mas é um ponto de partida potencialmente útil pra muita gente que passa ou passou pelos mesmos percalços na tentativa de lapidar o ofício.

Vamos começar com uma dica mais teórica e, por último, aplicaremos isso em um método diário.

Mostrar vs Contar

Essa eu ouvi pela primeira vez da Cris Lisbôa, que ministra o curso do Go Writers.

Se você quer envolver uma pessoa, é importante aprender a diferença entre mostrar e contar.

Mostrar é encher o objeto escolhido com todas as cores possíveis da experiência sensorial. É imprimir nele tamanho, cor, forma, cheiro, textura, som, sabor, enfim, tudo o que conseguir.

Pra fins de teoria, vamos adicionar a consciência a respeito de mais dois sentidos, além dos tradicionais visão, audição, paladar, tato e olfato.

  1. Senso orgânico: a consciência a respeito de funções internas do corpo, como batimentos cardíacos, respiração, pulso, tensão muscular, arrepios. É comum que atletas tenham familiaridade com esse senso, mas todos usamos, como quando você percebe que está lendo há muito tempo e precisa descansar.
  2. Senso cinestésico: é a sua noção grosseira de relação com o mundo. Crianças rolam pelo chão, dão cambalhotas, correm, dançam, como uma forma de estimular esse sentido. Tudo o que demanda movimento e interação se dá por aqui.

Contar é simplesmente dizer claramente o que você quer dizer.

“Cecília está triste.”

“O cachorro morreu.”

Na linguagem verbal somos muito mais sintéticos e é normal que isso acabe se tornando também a forma como escrevemos.

Claro, contar tem a sua utilidade, mas pro ponto desse texto, mostrar é muito mais importante. Queremos desenvolver nossa percepção sensorial e transportar isso para as nossas linhas.

Quando decidir novamente descrever algum objeto, experimente trazer cada estímulo sensorial possível para o texto e veja como, ao invés de simplesmente contar — sem magia, sem mistério, sem vida — você vai construir a imagem ou sensação de forma direta na mente do leitor. Ele não vai nem entender o por quê de sentir nojo, ansiedade ou saudade, mas vai sentir.

Prática: escreva todos os dias

Ok, falar é muito fácil. Muitos de nós não tem metade do tempo livre que gostaria de ter para fazer esse tipo de atividade e, pra dificultar ainda mais, somos péssimos em gerenciar o tempo que sobra.

Mas, acredite em mim quando digo, não é necessário tanto para tirar a poeira e começar a ver o mundo com os olhos de um escritor.

Você só precisa de 10 minutos todos os dias e um método claro.

Eis o meu:

  1. Escolha um objeto aleatório;
  2. Coloque um despertador para tocar em dez minutos;
  3. Escreva sobre o objeto, mostrando-o e utilizando-se dos 7 sentidos.
  4. Pare no exato instante que o despertador tocar.

Faça isso como a primeira coisa do dia, antes de tomar café, escovar os dentes ou dar bom dia para a pessoa com quem dormiu. A ideia é acordar o seu escritor, antes de qualquer coisa. Treinar seus olhos e a sua mente para funcionarem dessa forma, desde o primeiro momento no qual ela está novamente ativa.

Também é importantíssimo parar quando ouvir o despertador. Nem um segundo a mais.

A questão é que, no primeiro dia, talvez você não escreva nada. No segundo, é possível que escreva um pouco e esteja horrível. No terceiro, pode ser que você engate uma linha de raciocínio intensa, comece a escrever algo incrível e seja interrompido, para sua tristeza.

Os benefícios são dois, principalmente.

Um, você tende a diminuir a diferença entre o momento em que você senta e o momento no qual as ideias começam a fluir.

Dois, com o tempo, vai ficar treinado em criar conexões sensoriais sobre os objetos. Seu olhar vai ficar afiado.

Não ter tempo para desenvolver as ideias vai torná-lo um mergulhador muito mais rápido e habilidoso. Se antes demorava horas para chegar lá no fundo da experiência, de repente, você se vê capaz de atingir esses locais muito mais rápido.

Além disso, não só pode gerar em você a insatisfação que vai instigá-lo a querer escrever melhor (“onde eu chegaria se tivesse mais tempo?”) como também pode ajudar a trabalhar dentro do tempo disponível, criando a melhor ideia viável.

Se eu pudesse recomendar só um exercício, sem dúvidas, seria esse. Não à toa, é o que venho fazendo.


Nota: tenho um outro texto com indicação de bons livros para quem quer ser um escritor melhor. Caso goste desse artigo, pode ser um bom aprofundamento.

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