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Como mandar bem em momentos críticos (mesmo nervoso)

Usain Bolt aprova esse texto.

Estudos sugerem que, sim, podemos nos treinar para performar bem mesmo quando estamos nervosos.

Basta olhar para a expressão dos atletas olímpicos competindo no Rio. A pressão escorre como suor gelado nos seus rostos. Às vezes dá vontade de abraçar e dizer: “Vai, cara! Você é capaz!”

Mas não é preciso competir em frente ao mundo inteiro pra sentir a pressão surgir em momentos críticos.

Quem nunca se sentiu ansioso ao se deparar com uma entrevista de emprego, palestra ou na hora de entregar aquele job do qual o seu aluguel do mês depende para ser pago?

Se você é músico ou palestrante, então, é bem possível que entrar em pânico antes de uma apresentação seja a sua rotina.

Esse medo de mandar mal tem um nome: chama-se Ansiedade de Desempenho (Performance Anxiety) ou, ainda, Medo/Pânico de Palco (Stage Fright).

Cada pessoa costuma ter suas maneiras próprias de lidar com isso.

Mas o que diz a ciência sobre o assunto?

Quais as piores e melhores formas de superar a pressão e mandar bem mesmo em momentos críticos?

Suas estratégias usuais podem piorar tudo

Segundo David Carbonell, PhD, psicólogo clínico, especialista em transtornos de ansiedade e autor do livro The Worry Trick: How Your Brain Tricks You into Expecting the Worst and What You Can Do About It (ou, em tradução livre: O Truque da Preocupação: como seu cérebro engana você para esperar o pior e o que você pode fazer sobre isso), em situações de ansiedade, somos levados a tratar um desconforto como uma ameaça muito maior do que ela realmente é. Ele chama isso de Truque da Ansiedade.

Assim, quando enxergamos algo como um perigo iminente, temos algumas reações instintivas básicas. São elas: combater, fugir ou paralisar.

Quando percebemos uma ameaça como mais fraca que nós mesmos, atacamos. Quando o perigo é maior, porém mais lento, fugimos. E, por último, se é maior e mais rápido, paralisamos.

Segundo David Carbonell, combater o medo diretamente, tentando reprimi-lo e tomando medidas para se proteger, é uma das piores formas de lidar com a situação:

“A verdadeira razão pela qual elas [as pessoas em crise] não experimentam uma catástrofe é que essas catástrofes tipicamente não partem de um medo ou fobia. Esses são transtornos de ansiedade, não transtornos de catástrofe. As pessoas passam pela experiência por que a experiência não é, na verdade, perigosa. Mas é compreensivelmente difícil para as pessoas reconhecer isso na hora. Eles acham que “escaparam por pouco”. Isso os leva a redobrar as suas medidas de proteção.

São essas medidas de proteção que na verdade mantém e reforçam o Truque da Ansiedade. Se você pensa que escapou por pouco de uma catástrofe por que tinha seu celular; ou uma garrafa de água; ou por que voltou e checou o forno sete vezes; ou por que plugou seu iPod e se distraiu com um pouco de música, então você vai continuar se sentindo vulnerável. E você vai ficar cada vez mais preso no hábito de “se proteger” desse jeito.

É assim que esse problema se embeda na sua vida. Você acha que está se ajudando, mas está sendo enganado e levado a torná-lo ainda pior.” — David Carbonell, aqui.

Situações de pressão tendem a nos levar a estados de ansiedade de desempenho. A reação mais instintiva é lidar diretamente com o problema, seja combatendo, fugindo ou paralisando, mas já sabemos que isso tende a piorar o problema.

Dá pra ficar “imune” à ansiedade de desempenho?

Qualquer um que já tenha praticado guitarra o suficiente para se familiarizar, sabe que simplesmente pegar um outro instrumento pode arruinar a sua performance, pelo menos por alguns instantes.

Isso é efeito do contexto. O instrumento, a sala, a quantidade de ruído, as adversidades que podem impedir a sua concentração, tudo isso faz parte do seu contexto de prática.

Quando você muda algum desses elementos, há uma chance da sua performance ser prejudicada.

Nesse sentido, essa variação pode dificultar a transposição das suas habilidades para a situação crítica, na qual você vai ser avaliado.

Sabendo disso, você pode acabar se sentindo inseguro e essa insegurança pode levar ao medo de palco ou ansiedade de desempenho.

Isso é verdadeiro para músicos, mas também para atletas e pode ser que situações análogas de exposição à pressão gerem esses mesmos efeitos.

E quem nunca treinou absurdamente para algo e, na hora H, falhou, tamanha a pressão do momento?

Dada a frequência com que isso acontece, pesquisadores já estão curiosos para saber se existem formas efetivas de “inocular” as pessoas, para deixá-las imunes à pressão e ansiedade de desempenho.

O pesquisador holandês Raôul Oudejans conduziu vários estudos nessa área e eles sugerem que, sim, podemos nos treinar para performar bem mesmo quando estamos nervosos.

O experimento com jogadores de basquete

Um de seus estudos envolveu dois times de basquete holandeses de nível nacional com habilidades semelhantes.

Os dois times começaram em uma situação banal, que para eles não representaria nenhuma pressão, um teste de base de suas habilidades de arremesso livre, no qual eles teriam 20 tentativas sob condições regulares de prática.

O passo seguinte foi adicionar alguma pressão.

Para induzir ansiedade, cada time foi dividido em dois times menores, que competiram entre si pelo prêmio de €25 (vinte e cinco euros). Além disso, suas performances foram gravadas e foi dito a eles que a performance seria avaliada por experts, que julgariam a técnica de arremesso de cada um. Também foi pedido que eles imaginassem que cada par de arremessos livres seriam pontos decisivos em um jogo de final. E o técnico e outros jogadores assistiam cada arremesso.

Foram nove sessões de prática durante as cinco semanas seguintes. Ambos os times tiverem um adicional de 96 arremessos para treinar.

A única diferença entre os dois times é que um deles praticou seus arremessos sob as mesmas condições de ansiedade do teste (o grupo de prática de ansiedade). Enquanto o outro treinou em condições normais de prática (o grupo de prática regular).

Depois disso, os atletas refizeram os testes, dando 20 arremessos sem nenhuma pressão. E então, outros 20 arremessos com a competição, gravação de vídeo e outros elementos colocados lá para produzir ansiedade.

Durante o teste de base, os dois times performaram pior quando submetidos à ansiedade.

O time de prática regular caiu de 75.4 pontos para 70.2 pontos e o time de prática de ansiedade foi de 77.1 para 72.7 pontos.

Depois de cinco semanas de treino, o resultado foi diferente. O time de prática regular, de novo, performou pior sob pressão (73.1 sem ansiedade; 67.9 com ansiedade).

Porém, o time que praticou arremessos sob condições que provocavam ansiedade não apenas não diminuíram sua pontuação sob pressão como se saíram melhores. Precisamente 71.3 pontos sem ansiedade e, depois, 78.0 pontos com ansiedade.

Em um segundo experimento, eles testaram jogadores de dardos. Da mesma forma, um grupo treinando em condições normais e outro em condições que induziam ansiedade — no caso, ter de arremessar dardos enquanto se seguravam a uma altura de aproximadamente 3,6 metros (sim, bem bizarro).

O resultado foi semelhante: o primeiro grupo, que treinou normalmente teve resultados piores quando submetidos à ansiedade; enquanto o grupo que treinou sob condições que induziam ansiedade não tiveram prejuízos na sua performance quando testados sob ansiedade.

Como levar isso pro mundo real?

Para muita gente, o sonho é nunca mais sentir esse pânico. Não é difícil de entender o por quê.

Quem não gostaria de jamais sucumbir à pressão e focar exclusivamente no que tem de fazer?

O resultado dos estudos de Raôul Oudejans sugerem que a prática levando em consideração a pressão e ansiedade podem prevenir perdas e até melhorar o desempenho.

David Carbonell também dá uma boa pista sobre como podemos diminuir as chances de sucumbir à pressão:

“Uma das chaves para dominar o medo de palco é se envolver de verdade e focar no seu material.

Não em si mesmo.

Em um programa completo para pânico de palco, você vai precisar trabalhar a antecipação que experimenta nas horas, dias, semanas (talvez meses!) antes de uma apresentação. Você precisa saber como desarmar o Truque do Pânico. E você vai precisar praticar com a situação de performance em si.” — David Carbonell, aqui.

Portanto, uma forma de evitar ser tomado pela ansiedade de desempenho/medo de palco, seria praticar em um contexto que adicione algum nível de ansiedade, simulando a tensão de momentos importantes.

Entrevista de emprego? Concurso de design? Palestra? Final de campeonato? Prova de vestibular? Há elementos comuns a situações críticas (alguns foram inseridos no experimento do basquete) que dá pra replicar na nossa vida cotidiana, como uma forma de se preparar para a ansiedade:

  1. Prazo (ou número limitado de tentativas);
  2. Competição;
  3. Prêmio;
  4. Punição/prejuízo em caso de falha;
  5. O julgamento de um especialista (ou alguém que faz algo melhor que você);
  6. Registro;

É possível adicionar essas camadas ao seu treinamento, por exemplo, gravando sua palestra ou performance musical, fazendo pequenas apresentações para amigos ou postando vídeos seus nas redes sociais.

Se você for um escritor, pode se impor uma frequência de escrita (por exemplo, publicar um texto toda semana, sem falta), ou soltar algo no Facebook, pra todo mundo ver e comentar.

Se for um designer, pode começar a participar de concursos, ou fazer projetos com amigos que possam cobrar prazos e qualidade.

Você pode, ainda, se propor a dar dinheiro para alguém, sempre que falhar com o que se propuser.

Uma outra forma seria enviar o que escreve/toca/desenha/fala para alguém que seja referência na área e pedir feedback.

As possibilidades são muitas.

E aí, você tem alguma forma de se impor adversidade nos treinos pra lidar com a ansiedade?

Como você vem lidando com a ansiedade de desempenho/medo de palco?


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