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A beleza da criatividade sem expectativas

“Crie o hábito de fazer coisas pela diversão. Não por ninguém. Sem expectativas. Sem pensar nas consequências. Só pra você mesmo.” — Rick Rubin

Link: https://www.youtube.com/watch?v=fId6ckbF5uc

Quando ainda somos crianças, é fácil nos envolvermos em atividades que não têm uma finalidade específica. Vamos jogar bola, correr, cantar, pintar, desenhar, jogar videogame, aprender uma arte marcial ou um novo idioma. 

É claro que muitas dessas atividades acabam servindo pra desenvolvermos habilidades que podem ser úteis mais pra frente. Algumas são introduzidas justamente na esperança de que nós possamos nos tornar alguma coisa a partir daquilo. 

Porém, do ponto de vista da própria criança não existe outra finalidade a não ser a atividade em si. Você brinca pra brincar. Você pinta pra pintar. Você canta pra cantar. Vamos fazendo porque é estimulante, divertido, dá cor à vida. 

Mas um pouco mais tarde, dedicar tempo a alguma coisa sem ter um objetivo começa a ser mal visto. Se você comprar uma guitarra é porque obviamente quer fazer uma carreira na música. E, quando isso vem apenas pelo prazer, talvez, sua família até fique preocupada. Afinal… “O que você vai ganhar com isso? É muito difícil. Desiste logo, melhor nem tentar.”

Esse tipo de questionamento acaba aparecendo mais frequentemente, quanto mais vamos assumindo a identidade de pessoas adultas. Vira quase um pecado se dedicar a coisas singelas por mero prazer, ainda mais levando em consideração a urgência das contas chegando todos os meses. Tudo te encurrala pra dedicar ao máximo as suas horas com uma finalidade bem clara: ganhar dinheiro.

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Uma olhada rápida pelo Instagram ou Youtube e vemos inúmeros anúncios, vídeos e posts sobre uma coisa: como transformar seu hobby em uma atividade lucrativa.

Sabemos bem que “faça o que você ama” está em todo lugar. É o conselho na ponta da língua quando você manifesta alguma dúvida sobre sua carreira. 

Todo mundo já ouviu aquela máxima que se atribui ao Confúcio de que se você trabalhar com o que ama, não vai precisar trabalhar um dia sequer na sua vida.

Mas quando levamos isso como receita de felicidade, acabamos ignorando alguns detalhes sobre como as experiências se dão. 

Não existe nenhum fenômeno que permanece prazeroso com a repetição diária. Por mais que você ame aquilo mais do que tudo, ficar exposto ao mesmo estímulo traz um tédio profundo e dolorido.

E por mais que possamos fazer um esforço pra tentar diversificar aquela atividade e torná-la um pouco mais tolerável, o senso de prazer e leveza que levam à diversão simplesmente desaparecem quando percebemos que temos muito a perder, quando nossa própria identidade e sustento estão atrelados à continuidade daquela atividade.

O que era uma paixão se transforma numa prisão. 

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Indo um pouco mais além, ignoramos que a internet de hoje funciona na base da construção de storytelling para gerar engajamento. Então, basicamente qualquer história que a gente escuta é exatamente isso: uma narrativa construída para gerar algum impacto emocional com o objetivo de te fazer comprar algo.

Outro ponto é o de que uma vez que as histórias que engajam seguem um certo padrão modulado pelos algorítimos, a repetição dessas histórias fazem termos uma impressão de que a exceção é a regra.

Claro que existem pessoas que conseguem ser bem sucedidas no que fazem e, por meio da paixão e do interesse, transformam uma certa atividade em um sustento menos sofrido do que o trabalho em um escritório que elas detestam.

Porém, é importante lembrarmos que pra cada influenciador de cozinha vegana, existem milhares de outras pessoas que tentaram tornar sua paixão pela cozinha em trabalho nas redes sociais, mas não puderam ou não conseguiram continuar por terem ficado desmotivados após perceberem que o prazer virou trabalho.

É importante filtrar o que é fato do que é exagero narrativo. 

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Óbvio que não tem nada de errado em ganhar dinheiro. O problema é quando passamos a achar que algo só vale a pena se gerar algum benefício quantificável.

A pressão de gerar lucro com o que fazemos acaba nos afastando de atividades prazerosas, pois a recompensa interna de repente não é mais suficiente pra nos manter engajados. 

Ao invés de sentar e curtir uma tarde de xadrez, precisamos buscar patrocínio pra conseguir vencer o campeonato nacional. Ao invés de passar o dia pintando pra colocar na parede de casa, temos que publicar no Instagram pra garantir likes. Ao invés de tocar uma música no violão pros amigos, precisamos de milhares de views no Tik Tok. Menos que isso recebe olhares julgadores. É visto como querer pouco.

Assim, utilizamos nossos hobbies, não apenas como coisas que queremos fazer para nos divertir ou para passar o tempo, mas como ferramentas para nos sentirmos um pouco mais amados e menos sozinhos.

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Rick Rubin é um dos maiores produtores musicais do mundo, responsável por ajudar a dar forma aos trabalhos de artistas como Johnny Cash, Black Sabbath, Paul Mccartney, Adele, Lady Gaga e Kanye West.

Em uma entrevista sobre seu trabalho pro podcast do Tim Ferris, Rick Rubin diz: 

“Há tantas coisas que podem ficar no caminho do processo artístico. Por exemplo, qualquer tipo de consideração comercial normalmente atrapalha. Se você está pensando em criar canções pra entrar no rádio, as chances são de que você não está usando a sua própria voz… É sobre chegar perto da fonte e não ser distraído por nenhum tipo de nonsense que atrapalha a arte de ser tão boa quanto poderia ser.”

O mais interessante é observar como o Rick Rubin, que é especialista em extrair o melhor de artistas e criativos profissionais, coloca qualquer tipo de preocupação comercial como algo que atrapalha.

É claro que ter um plano, desejar ser o melhor e formar uma carreira são objetivos legítimos.

Mas há também uma magia enorme em se dedicar a algo sem a menor pretensão. Depois da prática e do suor pra aprender e se aperfeiçoar em algo, são nos momentos mais descompromissados que mais nos divertimos. E justamente quando estamos nos divertindo é que damos o nosso melhor.

Existe um prazer muito diferente que acontece quando fazemos algo por fazer, um estado de presença e autenticidade muito raro, quase meditativo. E você não precisa ser um profissional da música com milhões de dólares pra experimentar isso.

O caminho da arte e da criatividade, apesar do que o imperativo social nos faz pensar, não é apenas para quem consegue transformar seu ofício em uma fonte de renda. Você pode, perfeitamente, tirar essa preocupação da equação e utilizar o que quer que você faça como a sua pequena terapia, uma fonte de vitalidade e de alegria em si mesma. Não há absolutamente nada de errado em ter um hobby que consome horas e horas do seu dia e que não gera uma fonte de renda. Pelo contrário, pode até ser algo bastante louvável, uma manifestação de amor e de generosidade.

Muitas vezes, as pessoas tentam nos ajudar com a melhor das intenções, como uma forma de nos impedir de sofrer, mas acabam nos afastando daquilo que nos traz potência. Elas acabam esquecendo que o mesmo impulso que canalizamos para as atividades “sem finalidade” são úteis também quando vamos nos dedicar ao trabalho que traz o sustento. 

A verdade é que ninguém ganha nada bancando o adulto sério cheio de projetos. Às vezes, a gente só quer mesmo brincar por brincar, cantar por cantar ou pintar por pintar. 

Por mais que pra alguns seja difícil de entender, esse brilho que adquirimos quando estamos nos divertindo já é a recompensa em si mesma.

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